Escrito por Fernando Puell, Diretor Técnico e Qualidade - Saint-Gobain Canalização.
Introdução
De uma maneira geral, Existem diversas fórmulas empíricas consagradas para análise da perda de carga redes de distribuição e adutoras, que devem ser aplicadas em domínios restritos levando-se em conta o diâmetro interno e também a rugosidade interna do tubo, não dependendo explicitamente do tipo de escoamento estabelecido (laminar ou turbulento). Os coeficientes numéricos das fórmulas empíricas devem ser aplicados com coerência tomando por base a faixa de diâmetro recomendada e também em consonância com o regime de escoamento determinado.
Como exemplo de algumas fórmulas de perda de carga empíricas, temos Flamant, Hazen-Williams e Manning-Strickler, cada qual com sua faixa de aplicação. Outra metodologia muito empregada, não empírica para o cálculo da perda de carga, é a fórmula universal também conhecida como método cientifico ou fórmula de Darcy-Weisbach.
Para tubos de Ferro Dúctil (FD) revestidos com argamassa de cimento, aplicada por centrifugação, os catálogos e informativos técnicos publicados indicam para o cálculo da perda de carga fórmulas como a de Darcy, Colebrook-White (para o cálculo do fator de atrito) e Hazen-Williams.
Além disso, por segurança e levando-se em conta as diversas perdas de carga singulares tais como curvas, tês, derivações, válvulas, etc., considera-se o coeficiente de rugosidade (k) = 0,1mm para canalizações em distribuição de água potável e, nos casos de canalizações com grandes extensões (adutoras), que apresentem um pequeno número de conexões por quilometro, o valor poderia ser na ordem de (k) = 0,06 a 0,08mm.
O objetivo deste trabalho não é discutir as metodologias existentes, para o cálculo da perda de carga, mas apresentar os resultados de medições de perdas de carga em adutoras novas e antigas publicados pela DIPRA (Ductile Iron Pipe Research Association – www.dipra.org), que através das medições em campo e estudos recomenda o coeficiente “C” de Hazen-Williams de 140 para tubulações revestidas em argamassa de cimento.
Esses resultados mostram que em determinadas condições de velocidade (vazão) e diâmetro, a rugosidade pode ter uma influência muito pequena no cálculo da perda de carga, já que os coeficientes “C” de Hazen-Williams encontrados são semelhantes aos de tubos considerados lisos. A fórmula de Hazen-Williams, com o seu fator numérico em unidades métricas, é a seguinte:
onde:
Q = vazão (m3/s)
D = diâmetro interno (m)
J = perda de carga unitária (m/m)
C = coeficiente que depende da natureza da parede do tubo.
Revestimento da superfície interna com argamassa de cimento
Os tubos de Ferro Dúctil são revestidos internamente com argamassa com cimento alto forno aplicada pelo processo de centrifugação. A argamassa é depositada no interior do tubo em baixa rotação e em seguida, aumenta-se a rotação do tubo a fim de obter a força centrifuga desejada. Este processo tem como resultado final uma camada uniforme, aderente, compacta, autoportante, resistente e com uma superfície lisa.
Embora não seja objetivo deste trabalho, importante destacar que a argamassa de cimento fica perfeitamente aderida à superfície interna do tubo, resistindo às pressões elevadas, suportando ovalização máxima de 4% conforme ISO10803 quando solicitado as cargas externas de reaterro e com resistência ao vácuo que pode ocorrer em algumas situações durante as operações, portanto, além da baixa rugosidade, pode-se afirmar que é um revestimento muito seguro, além de atuar como uma “camada passivadora” protegendo a superfície metálica contra qualquer processo de corrosão interno.
Importante salientar que no Brasil, desde 1974 não foram mais produzidos tubos de ferro dúctil sem revestimento interno de argamassa de cimento. Também não existem registros ou evidencia de formação de incrustações ou perda de capacidade hidráulica depois do advento da aplicação do revestimento interno, fato também demonstrado pelos resultados apresentados pela DIPRA.
Resultados do coeficiente “C” de Hazen-Williams publicados pela DIPRA
A DIPRA realizou várias medições em campo ao longo dos anos para determinar o coeficiente “C” de Hazen-Williams cujo resultado destes estudos permitiram recomendar o valor de C=140 para tubos revestidos com argamassa de cimento. Reproduzimos a seguir os resultados encontrados.
Para melhor visualizar os resultados obtidos nos ensaios foram plotados os valores do “C” de Hazen-Williams como apresentado no gráfico abaixo.
Ainda no site da DIPRA é possível encontrar a informação de que esses valores foram confirmados em uma série de artigos técnicos e estudos realizados ao longo de muitos anos, considerando provavelmente ser o maior estudo conduzido pelo “Water Research Foundation” (WRF) em seu relatório de 2011 intitulado como “Expectativa de vida dos tubos revestidos com argamassa de cimento”.
A principal conclusão deste relatório é que o revestimento de argamassa de cimento tem vida útil prevista superior a 100 anos. Ainda segundo a DIPRA, o “Código de Abastecimento de Água da Austrália” apresenta uma expectativa de vida útil de 100 anos para revestimento em argamassa de cimento.
O escoamento turbulento
Quando o escoamento é turbulento, as condições especiais reinam nas vizinhanças imediatas da parede do conduto. Justaposta à parede do tubo forma-se uma camada limite extremamente delgada onde o movimento é necessariamente laminar.
A espessura desse filme laminar “δ” é decrescente em função do número de Reynolds “R”. Logo quando “R” é suficientemente pequeno e, “δ” é grande o suficiente para cobrir toda a rugosidade da parede interna do tubo e podemos afirmar então que, o tubo é hidraulicamente liso.
À medida que “R” aumenta, a espessura relativa do filme diminui e para um dado valor de “R” as irregularidades da parede emergem do filme laminar e entram em contato diretamente com a parte de fluido em escoamento turbulento, logo uma superfície inicialmente “lisa” torna-se “rugosa”, tratado como um tubo hidraulicamente rugoso.
Analise dos resultados apresentados pela DIPRA
Na literatura técnica disponível não encontramos valores do coeficiente “C” de Hazen-Williams igual a C=140 para revestimento de argamassa de cimento. Para que ocorram os resultados apresentado pela DIPRA, é necessário que o escoamento nestes condutos onde foram realizadas as medições tenham características muito próximas de um conduto hidraulicamente liso.
Através do diagrama de Moody, que permite identificar o tipo de escoamento, podemos fazer essa verificação tomando por base a gama de diâmetro interno apresentada pela DIPRA (152 a 610mm), supondo uma velocidade de escoamento econômica (1,5m/s), tomando a rugosidade do tubo de Ferro Dúctil com k=0,1mm e viscosidade cinemática para água de v= 1,0x10-6m2/s. Calculando a rugosidade relativa (k/D) e o número de Reynolds, pode-se observar no gráfico de Moody em que região está se dando o escoamento para as medições realizadas.
No gráfico de Moody plotando-se os valores de Reynolds determinados na tabela acima e a rugosidade relativa (k/D). Pode-se observar que estão localizados na região de transição muito mais próximos a tubos lisos do que propriamente tubos rugosos. Neste mesmo gráfico, encontrado na literatura, pode-se observar que foram traçadas as linhas do coeficiente “C” de Hazen-Williams em função da rugosidade relativa e Reynolds, através de uma análise que iguala as equações de Hazen-Williams e a fórmula universal de perda de carga. Pode-se observar que os pontos marcados estão compreendidos entre as linhas de coeficiente “C” variando entre 140 e 155.
Conclusões
Os resultados das medições obtidos em campo pela DIPRA (C=140) podem ser compreendidos devido ao escoamento no regime hidraulicamente liso, função da velocidade estimada em 1,5m/s e da rugosidade k=0,1mm. Simulações mostram que velocidades menores para o mesmo diâmetro trazem o escoamento para tubos lisos, com o coeficiente “C” variando entre 140 e 155.
Para outras velocidades de escoamento e diâmetros, simulações mostram que a rugosidade relativa pouco influencia na perda de carga, ficando a maior perda relacionada ao próprio atrito interno do fluido.
Os dados apresentados pela DIPRA contemplam condutos novos e em operação, todos com revestimento interno em argamassa de cimento, onde para os 20 anos iniciais mantêm o valor médio de C=140, portanto, condutos que possuem revestimento interno, não estão suscetíveis a perda de capacidade hidráulica e não faz sentido adotar-se um coeficiente C de menor valor muitas vezes denominado “coeficiente C para tubos usados”.
Bibliografia
- Abastecimento de água – Milton Tomoyuki Tsutiya – Departamento de Engenharia Hidráulica e Sanitária da Escola Politécnica da USP - 2006.
- Catálogo Saint-Gobain Canalização – www.sgpam.com.br
- DIPRA - Ductile Iron Pipe Research Association – www.dipra.org
- Manual de Hidráulica – Azevedo Netto – 9 Edição.
- O emprego da fórmula universal de perda de carga e as limitações das fórmulas empíricas: Tufi Mamed Assy – Prof.Titular POLI – CETESB, 1977.
Autor
Fernando Puell
Eng. Civil, MSC Recursos Hidricos
Diretor Técnico e Qualidade
Saint-Gobain Canalização