Escrito por Álvaro José Menezes, diretor nacional da ABES.
A forma como os serviços de abastecimento de água brasileiros são gerenciados ao longo de sua história mais recente, deixa a impressão de que há um problema mal resolvido entre o que os gestores dos níveis estratégicos pensam e o que pensam os demais níveis de gestão do prestador de serviços, seja ele público ou privado.
As tão faladas perdas, sejam elas as reais – água produzida que não é consumida nem faturada – ou as aparentes – água produzida que é consumida, faturada e não paga – são indicadores que podem resumir não somente o desempenho operacional dos prestadores, mas principalmente o seu desempenho empresarial. Os resultados delas vem do conjunto de atividades desenvolvidas em todas as áreas da administração do prestador, sem exceção. Há muito, alguns prestadores já perceberam isso e desenvolvem nas suas organizações sistemas de planejamento estratégico onde há um claro, lógico e gerenciado processo de gestão com o combate às perdas surgindo como responsabilidade de todos e com ações objetivas de projetos aplicados em cada área de atividade. Assim, sai-se do entendimento de que as perdas são um problema da área operacional.
A realidade mostra que os índices de perdas seguem ainda muito elevados embora, quando analisados nacionalmente e comparados por região, seja grave verificar locais com valores maiores que 60% no total. As perdas, reais ou aparentes, são uma medida sintética da eficiência do prestador pois elas retratam o fim de um processo de produção e venda de serviços que tem sua origem lá na captação da água e termina quando se atesta o pagamento da fatura mensal pelo cliente.
O desafio de reduzir às perdas não pode ser aplicado na mesma dose para todos os prestadores, mas a receita é a mesma: gestão, planejamento e responsabilidade gerencial. Regional e localmente há bons exemplos de casos onde as perdas são combatidas e reduzidas num processo contínuo de obediência ao ciclo de gestão e planejamento para garantir resultados. Uma das características daqueles prestadores que conseguem fazer isso, é desenvolver o planejamento com base em projetos onde se leva em consideração como prioridade o custo x beneficio de cada medida, cada decisão, seja ela técnica, operacional, administrativa, comercial e financeira de forma integrada visando o resultado empresarial. Desta maneira, não se estabelece um distanciamento entre os níveis estratégicos de gestão e os demais, pois todos passam a atuar em suas áreas e projetos para reduzir as perdas e mantê-las sob controle.
Métodos como dividir a solução em projetos de setorização, macromedição, hidrometração, pesquisas de vazamentos, faturamento e cobrança, cadastramento comercial e técnico, eficiência energética e outros, não conseguem trazer mais resultados empresariais e, quando trazem, duram pouco.
Um conceito que hoje pode se encaixar como forma de transformar o combate às perdas numa ação estratégica permanente de combate e redução das perdas, é a reabilitação e a gestão das infraestruturas ou dos ativos sob responsabilidade do prestador, fazendo com que as perdas reais, principalmente, e parte das aparentes sejam de fato reduzidas. As infraestruturas de abastecimento de água diferenciam‑se de outras infraestruturas porque dão suporte a serviços que são monopólios naturais, perante os quais as regras de mercado não são facilmente aplicáveis, em particular no que se refere à concorrência e à forma de avaliação do valor do patrimônio existente. São predominantemente constituídas por componentes enterrados, cuja condição física é difícil de avaliar e se comportam como um sistema e não como um somatório de componentes individuais. Ou seja, volta-se ao ponto da integração entre níveis de gestão no prestador para que o combate às perdas seja assumido como missão da organização. Neste caso, por exemplo, os gestores no nível estratégico da empresa precisam entender que implantar uma setorização não é uma simples contratação de obras com aquisição de tubulações, registros, válvulas e medidores. Isto é uma parte importante de atividades que compõem a gestão da infraestrutura desde a definição de um bom projeto, a adequada especificação de equipamentos, tubulações e dispositivos de medição e controle, aquisição com base em critérios de qualidade, controle operacional e acompanhamento do planejamento.
A sustentabilidade dos serviços de abastecimento de água, notadamente nas áreas urbanas, requer planejamento de infraestrutura de médio e longo prazo, incluindo não apenas a renovação de estratégias e ações, mas também a inclusão de aspectos financeiros, organizacionais e de gerenciamento de informações no dia a dia dos prestadores de serviços, de modo que possam garantir que as necessidades e expectativas das partes interessadas – clientes, empregados, acionistas, reguladores e governos – sejam atendidas todo tempo.